terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Texto semanal (13 a 17/ fev./ 2012)


Dona Nininha, coitada

Luís Fernando Veríssimo



A dona Nininha só tinha uma preocupação na vida, que era a saúde do marido. E este, que toda a vida gostara de brincar com dona Nininha, depois que se aposentou inventou uma brincadeira nova. Fingia que morria, só para assustar dona Nininha.

Dona Nininha voltava para a sala onde deixara o marido lendo o jornal e o encontrava com a cabeça atirada para trás, os olhos e a boca abertos, as mãos soltas de cada lado da cadeira, o jornal espalhado dramaticamente pelo chão. Dona Nininha dava um grito e corria para o marido, e este se dobrava de tanto rir. Coitada de dona Nininha.

Em meio a uma conversa, o marido deixava cair a cabeça para a frente e ficava imóvel. Dona Nininha chamava o marido. Chamava mais alto. Dizia "Ai, meu Deus" e o sacudia. Quando, já quase fora de si, levantava para ir buscar ajuda, ouvia a voz dele:

- Onde é que você vai, Nininha? Senta aí e fica quieta.

Uma vez, num almoço de domingo, toda a família reunida, justamente quando dona Nininha começava a se queixar do marido para a família, ele caiu de repente com a cara no prato de macarrão. Houve correria. Metade da família acudiu a suposta vítima de síncope e a outra dona Nininha, que quase desmaiara. E então o marido de dona Nininha levantou a cabeça, disse que o macarrão estava frio e pediu outro prato. E apontou para a cara da mulher, às gargalhadas. Todos acharam que era uma brincadeira de muito mau gosto, mas não puderam deixar de sorrir. Aqueles dois...

O filho mais velho tentou dissuadir o pai.

- Assim o senhor ainda mata a mamãe.

O velho não respondeu. Estava rindo tanto, só de se lembrar da cara de susto da mulher, que não conseguia responder.

Os netos é que ficaram entusiasmados. Tornaram-se cúmplices da brincadeira do avô. Davam palpites.

- Vô, finge que cai no banheiro. Faz bastante barulho. A vó vem correndo e te encontra estirado no chão.

- Peladão!

O velho ria e prometia que ia tentar aquela.

Todas as manhãs dona Nininha sacudia o marido, que acordava mas não abria os olhos. Só quando dona Nininha botava o ouvido contra o seu peito, já choramingando, para ouvir o seu coração, é que ele saltava e exclamava:

- Bom dia!

Dona Nininha, entre assustada e aliviada, gritava:

- Você ainda me mata!

- Ora, Nininha.

Um dia dona Nininha sacudiu, sacudiu, mas o marido não acordou mesmo. Veio o médico, veio toda a família. Prepararam o velho para o velório, fizeram arranjos para o enterro. E a todas essas dona Nininha desconfiada, com o olho vivo, decidida que desta vez não seria enganada.

Quem foi ao enterro conta que até a hora de fecharem o caixão dona Nininha ficou alerta ao lado do corpo, com um meio sorriso nos lábios. Se fosse fingimento, ele ia ver!

Coitada da dona Nininha.

Do livro “Festa de criança”

(coleção PARA GOSTAR DE LER)

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