segunda-feira, 23 de abril de 2012

Texto semanal — 24 a 27 /abril / 2012


O Buscador

                                                                                  Jorge Bucay



Esta é a história de um homem a quem eu definiria como um “buscador”... Um “buscador” é alguém que busca, não necessariamente alguém que encontra. Também não é alguém que, necessariamente, sabe o que é que está buscando, é simplesmente alguém para quem sua vida é uma busca. Um dia, o “buscador” sentiu que deveria ir até a cidade de Kammir. Ele tinha aprendido a dar muita atenção a essas sensações que vinham de algum lugar desconhecido de si mesmo, e foi assim que deixou tudo e partiu.

Depois de dois dias a andar por caminhos cheios de poeira, de longe viu Kammir. Um pouco antes de chegar ao povoado, uma colina do lado direito da trilha chamou sua atenção. O local estava coberto de um verde maravilhoso e tinha muitas árvores, pássaros e flores encantadoras; o local estava rodeado por completo por uma espécie de cerca pequena de madeira lustrada. ...Uma portinha de bronze o convidava a entrar. De repente sentiu que esquecia o povoado e sucumbiu à tentação de descansar por um instante nesse lugar. O “buscador” atravessou a portinha e começou a caminhar muito devagar entre as pedras brancas que estavam espalhadas aleatoriamente entre as árvores. Deixou que seus olhos pousassem como borboletas em cada detalhe daquele paraíso multicolor. Seus olhos eram os de um “buscador”, e talvez por esse motivo descobriu sobre uma das pedras, aquela inscrição...: Abdul Tareg, viveu 8 anos, 6 meses, 2 semanas e 3 dias. Ficou um pouco surpreso ao perceber que essa pedra não era apenas uma pedra, era uma lápide. Sentiu muita tristeza pensando que uma criança de tão tenra idade estava enterrada nesse lugar. Olhando ao redor, o homem percebeu que a pedra que estava ao lado também tinha uma inscrição. Aproximou-se para poder ler, dizia: Yamir Kalib, viveu 5 anos, 8 meses e 3 semanas. O “buscador” sentiu-se terrivelmente abalado. Esse belo local era um cemitério e cada pedra, um túmulo. Uma por uma começou a ler as lápides. Todas tinham inscrições parecidas: um nome e o tempo exato de vida do morto. Mas o que o espantou realmente, foi comprovar que a pessoa que mais tempo tinha vivido passava de apenas 11 anos...

Abalado por uma terrível dor, sentou-se e começou a chorar. O vigia do cemitério, que passava pelo local, se aproximou. Observou o homem chorando em silêncio por alguns instantes e depois perguntou se chorava por algum familiar. - Não, familiar nenhum – respondeu o “buscador” – que acontece com este povoado? Que coisa tão terrível tem esta cidade? Por que tantas crianças mortas enterradas neste lugar? Qual é a horrível maldição que tem esta gente, que tenha exigido construir um cemitério só para crianças? O ancião sorriu e disse: - Pode ficar tranquilo. Não tem maldição alguma. O que acontece é que aqui temos um velho costume. Vou contar pra você... Quando um jovem faz 15 anos, seus pais dão-lhe de presente um caderninho, como este aqui, pendurado no meu pescoço. E é tradição entre nós que, a partir daquele momento, cada vez que a gente desfruta intensamente alguma coisa, abre o caderninho e anota nele: À esquerda, o que foi desfrutado... À direita, quanto tempo durou. Conheceu sua namorada, apaixonou-se por ela, quanto tempo durou essa paixão enorme e o prazer de conhecê-la? Uma semana? Duas? Três semanas e meia?... E depois... a emoção do primeiro beijo, o prazer maravilhoso do primeiro beijo, quanto durou? O minuto e meio do beijo? Dois dias? Uma semana? ... A gravidez ou o nascimento do primeiro filho... O casamento dos amigos... A viagem mais desejada... O encontro com o irmão que volta de um país distante. Quanto tempo durou desfrutar dessas situações? Horas? Dias? Quando alguém morre, é nosso costume abrir seu caderno e somar o tempo de todas as coisas desfrutadas, para escrever sobre o túmulo. Porque esse é, para nós, o único e verdadeiro tempo vivido.

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